Thursday, April 22, 2010

Moleque


Quero inventar uma linguagem em que as palavras não tenham significado algum. Quero que elas não reflitam algo que você já carrega em si. Quero que elas te façam sentir o que elas são. Quero uma linguagem que não te dê medo de ler-la.

Que se foda você e que isso não te pese. Se o que sou te diminui e afasta, que longe você fique. Assim, sem mais nem menos. Numa linguagem simples e crua, ao som de um entardecer, com um olhar preenchido a secos galhos, com uma tensão na garganta, segurando o grito e a indignação, te coloco enquadrado na moldura eletrônica da contemporaneidade descartável e solúvel. Uma proteção entendível, uma solução rápida para resolver a ruptura abrupta, quase fria.

Naquela moldura, congelado, eu vejo o olhar que sempre te enganou no espelho. Um olhar que quando visto na superfície do vidro prateado, parece triste. O olhar te engana por conforto e medo. Quem consegue vê-lo melhor consegue escutar o grito, um grito de ânsia... Quem consegue olhar com cuidado, vê agarrada aos seus cílios, duas mãozinhas lutando contra a corrente de lágrimas, tentando trazer consigo o corpo do moleque risonho. Tá ali o que não foi permitido mas enterrado. Tá ali, atrás do disfarce confortante, o travesso eloqüente blá blá blá.

(começado dia 27, continuado dia 28 de Março)

O cansaço interrompeu as linhas. A saudade retomou a vontade de te dar algo que sempre foi seu. A saudade nos faz generosos e dando te sinto perto. Será que a saudade é mesmo generosa? Blá blá blás.

Eu falava do menino feliz, curioso e espontâneo que se deixou esconder pelo menino que acreditava que triste sendo suportaria a tristeza alheia. Eu contava do garoto que seguiu no porão do seu próprio estomago e deixou o outro crescer. O que cresceu sorriu com a boca, mas manteve o olhar reto, sempre um pouco molhado, para que todos se assegurassem que por ali nunca passaria felicidade completa. Mas ninguém nunca deu bola a tristeza do guri, que tinha tudo pra ser feliz... Afinal, ele tem tudo pra ser feliz.

Ao terminar o conto, do menino que mal conheço, mordo minha língua e julgo saber o que nunca vivenciei. Só não morro com meu veneno porque o que conto é só um conto...

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